Shingeki no Kyojin (ou Attack on Titan) é um anime conhecido mundialmente e muito relevante entre a própria comunidade de animes. Essa relevância se deve a história de mistérios envolventes que nos trouxe até a terceira temporada do anime sem termos a mínima ideia do mundo em que os personagens estavam inseridos.
Toda essa preparação nos entrega dilemas cada vez maiores ao decorrer da obra sobre como os seres humanos sobreviveram em cada etapa de sua história. E por isso Shingeki no Kyojin faz um ótimo trabalho em nos contar a odisseia da própria humanidade.
O início da História.
As informações iniciais que temos a respeito do mundo são poucas e simples. A humanidade certa vez encontrou inimigos que massacraram povos sem o mínimo sinal de resistência, os titãs. Para conseguir sobreviver, todos os povos do mundo se reuniram e construíram muralhas enormes para se defender da nova ameaça, que são as três muralhas do anime, Maria, Rose e Sina.
Desde então, os humanos vivem ignorantes do mundo externo às muralhas e não tem maneiras eficientes de derrotar os titãs que não envolvam vários sacrifícios humanos no processo. Em meio a migração para as muralhas, todo o conhecimento do mundo posterior a união da humanidade foi perdido.
Nesse mundo apocalíptico o mundo é regido por uma monarquia, pela igreja das muralhas e pelas forças militares, que se dividem em três tropas principais, Tropa de Exploração, Tropas Estacionárias e a Polícia Militar.
Dessas tropas, a divisão de exploração conduz expedições para fora das muralhas, a divisão estacionária faz a manutenção da ordem e defesa das muralhas e a Polícia Militar protege e obedece o rei dentro das muralhas.
Personagens.
A obra possui três protagonistas, Eren Jäger, que move a obra como personagem principal em busca de liberdade, Mikasa Ackerman, amiga de infância de Eren e de uma linhagem de sangue rara e com aptidões extraordinárias para combate e Armin Arlert, amigo de Eren e estrategista nato possuindo um grande intelecto.
Eren é uma pessoa em eterna busca pela liberdade, a simples ideia de viver atrás das muralhas sobre o terror dos titãs pelo resto da vida não é uma opção para ele. Mikasa segue ele por sua admiração e afeto despertados por acontecimentos de sua infância que a marcaram profundamente.
Armin por sua vez é uma pessoa curiosa por natureza, tem o desejo de explorar além das muralhas desde quando descobriu em um livro que existia uma grande extensão de água com sal abundante chamada de oceano. E assim eles partem em sua viagem para se tornarem soldados da tropa de exploração.
*AVISO DE SPOILERS DA OBRA, LEIA POR SUA CONTA E RISCO*
O dilema da obra.
A partir daqui não haverão mais introduções de personagens ou acontecimentos da obra, apenas as considerações sobre o que Shingeki no Kyojin se tornou e como ele conta a odisseia da humanidade.
O anime mantém uma narrativa de mistérios até o episódio 56, onde todas as dúvidas são sanadas e descobre-se a origem dos titãs assim como a existência de diversas nações no mundo. Nesse momento, Eren mesmo tendo encontrado a “liberdade” fora das muralhas percebe que a sua luta estaria apenas começando.
Na primeira temporada do anime quando os inimigos são apenas titãs as coisas são muito mais simples, não existe dilema moral ou ético ao matar seres irracionais em legítima defesa.
A humanidade incialmente está reunida contra um inimigo comum, como cita o comandante Pixis mesmo não acreditando nisso, apontando que esse seria o único momento em que os humanos não estariam combatendo a si mesmos.
E isso não acontece mais ao decorrer da segunda e terceira temporadas, onde percebe-se que mesmo alguns titãs possuem certa racionalidade, no caso os portadores dos titãs originais, e que certos mistérios são mantidos pela igreja e monarquia afim de controlar o povo.
A partir dessas incongruências, a Tropa de Exploração começa a se desviar unicamente do foco fora das muralhas e investiga os mistérios dentro delas, até tornar-se eventualmente inimiga do estado.
Nesse ponto, a humanidade já tinha certa confiança contra a ameaça externa dos titãs graças aos poderes de Eren e a vitória no distrito de Trost, fazendo do inimigo interno que não cedia informações algo muito mais perigoso.
E novamente a humanidade ergue-se contra si mesma. Nessa escala de conflito, o que estava em jogo era o status quo definido pela ideologia do Rei portador do titã primordial e do sangue real.
Graças as ações de Grisha Jäger de roubar o titã primordial e confiá-lo a seu filho Eren, a família real não possuía mais seus poderes, sendo um deles o poder de realizar lavagem cerebral em todos os descendentes de Ymir, razão pela qual a humanidade não lutava contra si mesma dentro das muralhas.
Após recuperarem o livre arbítrio, os eldianos começaram a mover revoluções e conflitos que os trouxeram a verdade a tanto oculta, que nada mais são do que os eventos da terceira temporada.
A complexidade do conflito no mangá.
Com a descoberta de humanos fora das muralhas, o inimigo agora é outro, bem mais preparado e com um ódio histórico para com a raça do povo das muralhas. Neste ponto de virada, o povo de Eldia das muralhas era completamente ignorante sobre o mundo e sobre suas ações no passado.
No quesito de informações, Shingeki demonstra de maneira realista como cada povo distorceu a história a seu favor criando o “ciclo de ódio” citado por Naruto Shippuden. Entretanto, esse “ciclo” demonstra-se muito mais inflexível em Shingeki do que em Naruto.
O primeiro Rei das muralhas, em sua tentativa de interromper esse dilema, apagou as memórias de seu povo e criou as muralhas na esperança de que os eldianos viveriam em paz dentro delas. Como as memórias do Rei são passadas em cada geração do titã primordial entre os membros da família real, os reis posteriores sabiam de todo o conflito e diz-se estarem presos a ideologia do primeiro rei.
No entanto, é bem plausível que ao descobrirem a verdade, os descendentes do primeiro Rei tenham visto o dilema incapaz de ser solucionado que os aguardava além das muralhas e demonstravam seus semblantes melancólicos diante da impotência sobre esse problema.
Toda essa problemática é quebrada quando Eren, um personagem sempre em busca de liberdade, toma a posse do titã primordial e quebra a prisão da ideologia do primeiro rei. Nesse momento, o “ciclo de ódio” retorna e com novas tensões relacionadas ao poderio militar da Ilha Paradis e seus recursos minerais, cobiçados no cenário internacional.
Os eldianos da ilha não sabem por que recebem maus olhados de Marley, mas os marleyanos nunca esqueceram dos terrores de Eldia antes da migração em massa para as muralhas. Mesmo sendo um povo completamente inocente de seus atos em um novo cenário político, Eren causa tumultos em Marley em resposta a comunidade internacional e revive ainda mais o sentimento de preconceito aos eldianos.
Marley sempre privou os eldianos para a vida nos guetos, separados do resto do país como medida de proteção a sua soberania nacional, e seu povo sempre expressou nojo aos eldianos vivendo nos guetos. Para por um fim nisso, Eren arquiteta um plano de genocídio a nível mundial, de todos aqueles que se opusessem à Eldia, ou melhor, ameaçassem seus amigos e sua liberdade.
Considerações finais.
A partir da posse do titã primordial ser passada ao Eren, Shingeki conta a odisseia da humanidade com todas as suas complexidades e conflitos contra seus semelhantes. Embora ainda não tenha terminado, a obra faz um ótimo jeito de demonstrar como até hoje essa mentalidade de conflito está instaurada na nossa sociedade.
Os painéis do mangá da discussão da Gabi com Kaya no capítulo 109 são exemplos de conflitos que ocorrem hoje, apenas partindo de outros assuntos, mas com a mesma mágoa carregada e com o mesmo “ciclo”. Traduzindo para os tempos atuais, a internet é dominada por grupos que condenam outros grupos e que tentam sempre seduzir novos seguidores com a sua versão da história.
Se isso te soa familiar é porque de fato é, principalmente em meio político onde a ponte para o diálogo não existe, a prioridade é a aniquilação do “inimigo” por quaisquer meios. A humanidade sempre procurou sanar suas inseguranças no outro, e quando assim ela fez acabou por alienar-se aos outros inconscientemente.
Aquele que propõe o diálogo com o diferente é traidor, pois em cada grupo, ou em cada nação, seja Eldia ou Marley, sempre há um senso de superioridade moral intocável envolvido aos “iluminados” de cada lado. E assim, Shingeki no Kyojin nos mostra um dilema que perdura em nós até hoje, as divergências da humanidade. Como o Comandante Dot Pixis disse:
“Dizem que antes do domínio dos titãs, havia matanças sem fim por questões de raça e ideologia. E alguém disse que se uma ameaça externa poderosa aparecesse, os humanos parariam com as guerras e se uniriam. O que você acha disso?”
E mesmo assim Eren responde:
“Mesmo com uma grande ameaça nos levando à beira da destruição, ainda não nos unimos.”
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