A música e os diferentes gêneros musicais conectam pessoas e ultrapassam fronteiras. No entanto, a indústria musical ainda parece um labirinto de oportunidades para a representação real. Não falo apenas de acessibilidade física — como ter rampas e elevadores em escritórios, palcos e festivais —, embora isso seja crucial. Me refiro à barreira na forma como o mercado enxerga e acolhe a diversidade.
A verdadeira acessibilidade vai muito além, é sobre quebrar preconceitos, valorizar a arte e criar um ambiente onde todos tenham espaço. O rap, em sua essência, é um estilo musical que fala sobre a vida, sobre a experiência e a realidade de quem canta. Ecoa a voz da periferia, da desigualdade social, do racismo e da exclusão, mas também celebra a autoestima, a identidade e o amor. Vindo eu mesmo desse cenário, quando conheci o rapper TiaGuinn soube que seu som precisava alcançar o mundo. A iniciativa de investir na trajetória de artistas como ele, que usa o rap como um testemunho de superação pessoal e artística, surge do desejo de contar histórias fortes que motivam e emocionam.
Seu talento merece os palcos, independentemente da condição física que gradualmente o faz perder os movimentos dos membros inferiores e superiores, e foi assim que lançamos o single “Rap Salva“, em maio. Nele, TiaGuinn compartilha sua jornada pessoal, abordando temas como autoestima, ancestralidade e o combate ao preconceito religioso. A obra é um reflexo da sua vivência e apostar no seu talento é declarar que existe espaço para mais artistas e menos rótulos.
O rap, com sua história de dar voz a quem foi marginalizado, encontra na pauta da acessibilidade uma extensão natural desse compromisso. Mais do que música, aqui a ideia é a pluralidade e o coletivo que se expressa através da criação. Essa é uma visão que carrego pessoalmente e que se reflete no Selo Somos, criado justamente para fortalecer a música independente, para ampliar as oportunidades para talentos que, apesar de toda a capacidade, enfrentam desafios para se consolidar no mercado. É sobre profissionalizar carreiras e ajudar a concretizar sonhos que, para muitos, pareciam distantes — como ter um clipe bem produzido ou ser reconhecido em grandes plataformas.
Admito meu próprio aprendizado ao interagir com TiaGuinn, especialmente no campo da logística, escolhendo um carro que também transporte a cadeira e pensando nos acessos facilitados. Essa percepção desmistifica a ideia de que a inclusão é um peso, quando, na verdade, é uma fonte de enriquecimento e novas perspectivas. Mas, acima de tudo, a maior lição que TiaGuinn me ensinou é a inabalável vontade de viver e de realizar sonhos, valorizando o presente.
Apesar de uma crescente sensibilidade do público para causas sociais, percebo que ainda existe uma certa resistência em abraçar a diversidade. É como se houvesse disposição para ouvir, mas uma hesitação em integrar. A acessibilidade, na prática, é um exercício constante de escuta e adaptação. Não se trata apenas de infraestrutura — como estúdios acessíveis e intérpretes de Libras —, mas de entender as necessidades de cada indivíduo.
A indústria precisa ir além das agendas sociais por modismo ou da mera acessibilidade física em eventos. O verdadeiro avanço acontece quando vemos profissionais com deficiência não apenas acessando, mas participando ativamente e sendo representados nos palcos e nas equipes. É preciso valorizar as histórias, cujas vivências e vitórias, muitas vezes invisíveis em um mercado focado em outros enredos, são a verdadeira força propulsora da inclusão. Como podemos, juntos, então, construir uma indústria musical verdadeiramente acessível?
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